Körkarlen (1921)Victor Sjostrom

Körkarlen (The Phantom Carriage) parte de uma premissa interessante: de acordo com a superstição popular, a ultima pessoa a morrer antes da passagem de ano tem conduzir a carruagem da Morte durante todo o ano seguinte, uma tarefa exasperante uma vez que tem de ir aos locais onde pessoas morreram recolher as suas almas. Por isso cada hora dura como se fossem 100 anos para a pessoa condenada. David Helm (interpretado pelo próprio Victor Sjostrom) acaba por descobrir a verdade dessa superstição quando morre mesmo antes da meia noite. Quando o anterior condutor da carruagem o vem buscar para ser substituído, David Helm é confrontado com os seus actos em vida e como fez sofrer todos à sua volta.

Este é um dos filmes que acaba por ser catalogado de terror mais pela ideia que apresenta do que pelo seu desenvolvimento. No fundo é mais uma história sobre o egoísmo, a maneira como tratamos os mais próximos e como tudo isso voltará para nos atormentar um dia. Acaba por ser uma espécie de fábula para adultos com parecenças ao A Christmas Carol de Charles Dickens, e que, apesar de bem contada poderá desapontar quem for ver este filme à procura de uma experiência assustadora. As cenas da carruagem da Morte a surgir na noite, apesar de bem conseguidas nunca chegam (nem me parece que fosse esse o propósito) a criar um ambiente assustador. Em vez disso o mais assustador neste filme acaba por ser a componente menos fantasiosa que se traduz na forma como alguns seres humanos são capazes de tratar os seus semelhantes. Posso dizer que gostei do filme apesar de fugir um pouco ao que estava à espera. O filme é mudo, acompanhado de uma banda sonora "extra", e tem uma gestão muito inteligente das falas. Nem todas as vezes que alguma personagem fala a imagem é interrompida para mostrar o que é dito, mas nessas vezes em que ficamos sem o saber nem é necessário pois pela lógica e com a expressividade dos actores acabamos por compreende-lo facilmente. "We didn't need dialogue. We had faces!"

As interpretações parecem-me boas, apesar de não ser um tema do qual me ache particularmente apto para apreciar, não nos filmes actuais e muito menos em filmes mudos cujas exigências eram diferentes. De qualquer forma não há nenhuma interpretação que me lembre de ser particularmente boa ou infeliz.

O filme é monocromático como seria de esperar, dada a altura em que foi feito. Para sequências bem iluminadas são usados tons amarelados enquanto que para cenas nocturnas são utilizados tons de azul. Visualmente achei que o filme tem sequências muito boas, o contraste com a escuridão e especialmente os efeitos de transparência estão bem conseguidos. Pessoalmente continuo a achar que os efeitos especiais "analógicos" têm muita maior longevidade do que os digitais e este filme parece dar-me razão. O filme é mudo apesar de ser normalmente acompanhado por uma banda sonora dependendo de qual versão se está a ver.
É sobejamente conhecido o fascínio de Ingmar Bergman por este filme que, segundo o próprio, o terá levado a abraçar a vida de cineasta. Bergman terá visto este filme mais de 100 vezes acabando por se tornar amigo de Victor Sjostrom e tendo contado com a presença de Sjostrom com um papel de algum relevo em To Joy e com o papel principal em Wild Strawberries.

O filme não era muito acessível, tendo-se tornado recentemente mais acessível com o lançamento em DVD e Blu-ray pela Criterion. No entanto, estando restrita a sua distribuição para o mercado norte americano, será necessário mandar vir de lá (amazon.com ou barnes & noble, por exemplo) para por as mãos em cima desta versão. Existe também na Amazon UK o DVD deste filme à venda. Existe ainda uma versão em DVD da colecção brasileira Coleção Cultclassic, com legendas em Português e Espanhol. Não encontrei nenhuma versão nacional, mas é possível que exista. Para quem não quiser gastar dinheiro pode também procurar nos sites de alojamento de vídeos, onde podem ver o filme completo, normalmente com legendas em inglês.

Eu vi o Blu-ray da Criterion, e como de costume, a qualidade de imagem é excelente, apesar de serem visíveis ainda assim inúmeros riscos e defeitos da imagem que comprovam o duro caminho que o filme percorreu até chegar aos nossos dias. Tal como muitos outros filmes da mesma época, Körkarlen foi sujeito a desaparecimentos, destruições acidentais, descobertas de versões alternativas até finalmente chegar á versão que foi recentemente lançada pela Criterion. Em relação á qualidade do som não tenho meios para dar uma opinião honesta. O Blu-ray inclui duas bandas sonoras que podem ser escolhidas para acompanhar o filme. A primeira, mais tradicional, foi composta pelo compositor sueco Matti Bye e tocada pela primeira vez na Cinemateca de Estocolmo em 1998, enquanto que a segunda é uma versão mais experimental, composta pela dupla KTL. Eu vi o filme acompanhado pela versão experimental, que recorre a pequenos efeitos de som para criar um ambiente intrigante e soturno. Não ouvi por inteiro o outro acompanhamento sonoro, apenas comparei algumas cenas e pareceu-me que este apresenta mais música, mais agradável, criando assim um ambiente menos pesado. O Blu-ray inclui ainda outros extras como um comentário do historiador Dinamarquês Casper Tyberg, que eu não ouvi; uma entrevista como Ingmar Bergman onde ele fala da influencia que este filme e Sjostrom tiveram na sua carreira; e outro vídeo focando esta relação entre Bergman e Sjostrom. Inclui ainda um pequeno vídeo da construção dos Rasunda Studios, onde Körkarlen viria a ser o primeiro filme a nascer, um vídeo curioso mas pouco relevante na minha opinião.
No geral devo dizer que este filme saiu um pouco ao lado daquilo que eu pensava e pretendia. Não há duvida que é um bom filme, com efeitos muito bons para um filme com 90 anos, mas no que concerne o objectivo desta iniciativa, não o considero, de todo, um filme de terror.
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