Bom, aqui vão muito rapidamente as minhas impressões. Eu tenho um livro, da Cinemateca, sobre o James Whale. Quando o encontrar pode ser que dê para pôr qualquer coisa mais fundamentada.
Então cá vai.
1. Repararam que no genérico aparece "Monsters' Mate - ?" ? Um pormenor curioso.
1b. (para a Anibunny): Nunca vi ninguém fazer bem de Byron no cinema. Por que será?
2. A primeira aparição do monstro é muito forte. Primeiro vemos a mão e depois um grande plano da cara. A cara é uma coisa extraordinária a nível de maquilhagem, mas a interpretação do Boris Karloff não lhe fica atrás. Ele consegue mostrar toda a humanidade do Monstro só com o olhar e por algumas expressões faciais. Muito bom. Acho que só agora, com esta revisão, me apercebi claramente do feito que ele conseguiu fazer. Porque é um papel muito difícil. E ele apanhou-o muito bem. Os gestos das mãos, o andar, a voz. Principalmente quando ainda não sabe falar. É uma voz que é um grunhido. De alguém que está a tentar expressar-se e não consegue. E depois fica frustrado. E nós vemos a frustração dele. É maravilhoso como uma pessoa, cheia de maquilhagem, representando uma personagem limitada intelectualmente, consegue ser tão tocante. É nestas alturas que tenho grande admiração pela profissão de actor. Acho que o Karloff conseguiu aqui algo de único. Vejam os grandes planos. Quando o prendem na masmorra. Quando ouve o som do violino. Quando ele encontra o cego. Nota-se que o James Whale quer mostrar o monstro, é ele o herói da história.
3. Por falar em grandes planos... uma palavra para a realização. Nenhum fotograma é feito ao acaso. A mise-en-scène é rigorosa. A inspiração é claramente gótica, com toques de expressionismo alemão (o jogo de luz e sombras; os cenários; a maquilhagem; o cemitério, com o Cristo meio tombado, que marca, não por acaso, a entrada para a tumba onde o Monstro se esconde). Mas em algumas composições noto influências da pintura. Lembrei-me especialmente de Brueghel, o velho na cena em que os camponeses apanham o monstro e um põem num carro de feno, e depois há aquele plano geral da multidão com os instrumentos agrícolas no ar. Não sei se foi intencional ou não.
4. Ainda a realização. Repararam que quando os dois cientistas estão a preparar a criação da "Noiva", os planos são compostos com eles na diagonal. Há uma série de campos e contra-campos assim. Não é por acaso. Achei esse efeito muito sugestivo.
5. A cena da masmorra é muito bem filmada a nível de claro-escuro. Só vermos a cara do monstro e depois as pessoas a espreitarem pela janela de grades, fascinadas e, ao mesmo tempo, repelidas pelo monstro. Mais uma vez, uma cena que vive por causa da grande interpretação do Boris Karloff.
6. É fundamental para o filme o monstro não falar. E depois falar só as palavras básicas. Não sei quem teve a ideia, mas é genial. Não vejo como poderia ser de outra maneira. Um monstro que se soubesse expressar não seria a mesma coisa. Reparem na diferença que a voz faz no Monstro do De Niro, por exemplo. O Monstro do Boris Karloff parece saído do cinema mudo. Aliás a representação dele deve muito ao cinema mudo (mais uma vez não tenho informações concretas sobre o facto). É fundamental, porque a personalidade do Monstro é de alguém que está a descobrir as coisas. É a de uma criança pequena, que dá os primeiros passos no mundo, tentando conhecê-lo. Tentando comunicar. Por outro lado, o silêncio dá-lhe uma certa nobreza, como se ele fosse o primeiro homem, num mundo novo. Que é na realidade o que ele é. E ainda a dificuldade de comunicar marca a diferença para o resto da humanidade, principalmente para os dois cientistas e em particular para o Dr. Pretorius, cuja retórica é claramente um símbolo do mal.
7. Dr. Pretorius: "To a new world of Gods and Monsters". Não há como um cientista louco para apimentar as coisas. Adoro a maneira como toda esta personagem aparece iluminada. Muito magro, com o farto cabelo iluminado por trás. Em especial, durante a tempestade. Há um grande plano da cara dele que tem um jogo de luz e sombra extraordinário (acho que já devo ter esgotado esta palavra

).
8. Monstro: "I love the death... I hate the living." Pathos.
8.b) Monstro (para o Dr. Pretorius): "You stay... we... belong... death." Grande dignidade.
9. Grandes cenários (as escadas, a torre, o laboratório). Grande fotografia (para além do que já falei, a filmagem da electricidade). Grande maquilhagem.
10. Por último: A noiva. Que trabalho fantástico fez a Elsa Lanchester. Os movimentos como um pássaro. Mas, principalmente, os sons que ela emite. O primeiro e o último são a uma ave, soam a algo inumano. Assustam porque o som não corresponde com a fisionomia. Quando ela abre a boca, o espectador não está à espera que vão sair aqueles guinchos (à falta de melhor palavra). Não é só a maquilhagem que lhe deu imortalidade, penso que o segredo da representação da actriz está nos movimentos que faz com a cabeça e nos gritos. É maravilhoso que a esta actriz alguns minutos no ecrã tenham chegado para a tornar num ícone do cinema. Já agora, para quem não sabe, ela é mulher do Charles Laughton.
11. (para o Sam): não vejo nada de humorístico no filme, excepto a velha criada irritante. Uma personagem de que não teria pena nenhuma se fosse apanhada pelo Monstro.
Conclusão: um filme 5 estrelas que muito gostaria de ver em ecrã grande, e com uma excelente imagem. Não está datado. Ainda mantém a capacidade de emocionar, de maravilhar. 5 estrelas.