Postby Thanatos » 18 May 2012 20:28
“A inimaginável materialização de Samira” é um conto de João Paulo Vaz que mereceu uma menção honrosa. Num brevíssimo relato Vaz conta-nos a previsível história de Pablo, nonagenário que pratica sexo virtual com a Samira do título, quando é confrontado com a revolução inimaginável da sua parceira de eleição que, imagine-se, prefere sexo ao vivo. Um conto sem força, passe a expressão, que sofre da maldição do infodump apressado que pretende traçar todo um mundo em meros parágrafos. Medíocre herdeiro do cyberpunk gibsoniano e perfeitamente descartável é mais um dos exemplos dum texto que lança mão da rica variedade de tropos da Fc sem os tentar apreender e que qual anão às costas de gigantes tenta passar por algo que não é nem nunca será: o artigo genuíno.
Algures pela internet gerou-se alguma celeuma pelo facto de Beatriz Pacheco Pereira, Diretora do Fantasporto, e que além do conto “O Robot Auris” contribuiu também com uma daquelas introduções que faz lembrar uma featurette dos maus velhos tempos dos DVD em que todos dão palmadinhas nas costas uns dos outros, ter sido seleccionada para uma Antologia que, em última análise, foi uma encomenda da própria. No entanto a par com os outros contos desta mesma não se entende a falsa questão já que não é pior nem melhor que nenhum dos outros. Aliás diria mesmo que é um conto infantil no tratamento do tema gasto, velho e relho, do robozinho que, subitamente, percebe que ganha consciência e laivos de emoções, logo não deixa marca nem provoca mossa, o que avaliando no geral acaba por ser das melhores coisas que se pode dizer desta entrada.
Na tradição do bom doutor Asimov, na senda de Metropolis e pisando os calcanhares de gente como Simak, Pacheco Pereira lá vai entretecendo o melhor que consegue e sabe um contito em que o final é telegrafado logo ao abrir do mesmo. Com uma prosa que tenta não confundir o leitor, chegando ao cúmulo do uso do itálico não vá o mesmo não ter a cognoscência suficiente para perceber que Auris começa a sentir algo para o qual não fora programado, o texto vai-se arrastando até à sua conclusão mais que previsível mas que, decerto, poderá ainda surpreender alguém para quem isto da FC seja completa novidade.
Um dos dois melhores textos da Antologia e que, sem dúvida merecia melhor companhia, é-nos apresentado pela mão segura de Filipe Homem Fonseca. “O Festival” é uma tour de force que, mesmo que por momentos vacile na construção e no entretecer da trama, consegue despertar no leitor mais conhecedor a chama da verdadeira FC, cuja finalidade máxima é fazer reflectir sobre os “ses” que se colocam no caminho dessa grande aventura que é ser Humano.
Um conto enigmático, pejado de referenciais que são usados inteligentemente ao longo do desenvolvimento, denso e difícil de penetrar para os não-iniciados nos protocolos de leitura da melhor FC que nos relata, pelo menos, três linhas narrativas diferentes que por breves momentos se cruzam no tempo e espaço, “O Festival” assume-se de pleno direito como Ficção Científica e mesmo que lance mão do tropo da viagem no tempo, está a anos-luz da peripatetice do anterior conto com a mesma base da autoria de Macedo. Onde Macedo naufragava sob o fardo da incapacidade de lidar com o tema duma forma que respeitasse os protocolos assumidos da FC, Fonseca sabe burilar o texto ao ponto de criar um labirinto de imagens, reflexões e questões que deixam o leitor perdido em divagações. E esse é o melhor aplauso que a FC pode merecer. O de nos fazer reflectir. Um texto forte e que a meu ver brilha ainda mais fortemente dado o contexto em que se insere. Não sendo FC em forma pura, o que a ser desmentiria a afirmação com que abro esta pequena opinião, este, em conjunto com outro texto que mais adiante mencionarei em seu devido lugar, é ainda assim o conto que mais se aproxima da ideia que a FC deve e pode ser, mesmo uma FC que se pretenda lusa em espírito, que não em temas.
Não importa como, não importa quando, não importa onde, a culpa será sempre do T!
-- um membro qualquer do BBdE!