Ficções Científicas & Fantásticas, Miguel Neto, editor (Edições Chimpanzé Intelectual 978-989-95269-0-8, 150 pgs., capa mole) Capa de João Maio Pinto
Contos de Terror do Homem-Peixe, Miguel Neto
e Pedro Souto, editores (Edições Chimpanzé Intelectual 978-989-95269-2-1, 214 pgs., capa mole) Capa de João Maio Pinto
A Sombra sobre Lisboa – Contos Lovecraftianos na Cidade das Sete Colinas, Luís Corte Real, editor (Saída de Emergência 978-972-8839-68-0, 464 pgs., capa mole)
Por Universos Nunca Dantes Navegados – Antologia da Nova Literatura Fantástica em Língua Portuguesa, Luís Filipe Silva, editor (978-989-20-0887-5, 262 pgs., capa mole) Capa de Markus Vogt
A literatura de género em Portugal,
e por género refiro-me essencialmente à ficção científica, ao horror
e à fantasia, embora naturalmente até o policial coubesse nesta apreciação pessoal, é uma miragem em tudo semelhante à que os afoitos viajantes dos desertos da África do Norte sentem em determinadas horas do dia.
E como miragem que é por vezes somos tentados a correr ao encontro dum oásis apenas para descobrirmos que estamos perante uma lagoa de areia seca
e inerte.
Assim foi a sensação que me ficou após a leitura de duas colectâneas de contos duma nova editora que em pouco mais de um ano arriscou trazer ao público português os géneros da ficção científica
e do terror. A iniciativa em si merece todos os aplausos não fosse a execução final cair tão longe do óptimo
e defraudar violentamente as expectativas dos leitores ávidos de produção nacional. Tal como o viajante no mencionado deserto cedemos, mais uma vez, à miragem.
Mas comecemos pelo princípio que é como quem diz pela
Ficções Científicas & Fantásticas, colectânea de contos onde vamos encontrar os suspeitos do costume como sejam João Barreiros ou Luís Filipe Silva
e outros menos habituais nestas andanças como por exemplo Rui Zink ou Clara Pinto Correia.
A colectânea abre logo com um texto de Rui Zink,
Páginas Arrancadas à História, que pretende num misto de humor negro
e paradoxo temporal construir um conto que poderia ser uma excelente sátira ao despotismo
e à inevitabilidade da história mas que por causa dum tom humorista que nunca se leva demasiado a sério (sim, porque até o humor para ser eficaz precisa levar-se a sério) cai na paródia disparatada. Como conto interessado no paradoxo da avozinha também não apresenta nada de novo ao habitué
e do género antes se ficando pelas meias-tintas. A bibliografia resumida no final tresanda a presunção bastando constatar que mistura tanto Calvino como James Cameron
e a nota à laia de epílogo é duma indigência que faz uma pessoa interrogar-se se ao menos alguma vez Zink se deu ao trabalho de ler uma nota da LUSA para ao menos emular correctamente o estilo das mesmas. Mas claro que num país em que alguns autores laboram sob a máxima “para quem é, bacalhau basta” não podíamos pedir mais. Ou podíamos?
Adiante.
Segue-se
O Holocausto e o Testamento de Laura Carvalho pela mão de David Soares
e que provavelmente é o conto que permite o rótulo Fantástico estar presente na capa do livro. Para quem me conhece da anterior opinião ao livro de contos do autor,
Os Ossos do Arco-Íris, sabe que não morro de amores pela escrita de Soares.
E talvez por isso este conto me tenha surpreendido pela positiva porque, de facto
e logo à partida, não esperava nada de mais,
e tendo em conta o início pouco auspicioso da colectânea digamos que todas as expectativas estavam em baixo. Os protagonistas do conto, Laura
e o advogado estão suficientemente bem caracterizados para ganharem vida no papel
e a presença epistolar de Daniel é sempre suficientemente ambígua por forma a que durante a leitura eu esperasse um desfecho que não se concretizou, pelo que,
e mais que não fosse só pela mestria demonstrada em conseguir subverter as expectativas, eu colocaria este conto entre uma das melhores
e mais honestas prestações da colectânea.
Uma Noite na Periferia do Império de João Barreiros é um conto já bem conhecido do público português que segue este autor de perto. Para quem o leia pela primeira vez será, decerto, uma agradável surpresa na relativa aridez de FC que encontramos nesta colectânea que se diz de FC.
E isto porque Barreiros escreve sem vergonha
e sem pudores uma FC descaradamente humorista mas que, ao contrário de Zink, nunca resvala para a paródia inane antes mantendo um punho forte num estilo marcadamente sarcástico, sombrio
e pontuado amiúde com referências cinéfilas
e literárias enquanto mergulha de cabeça nos melhores
e mais conhecidos tropos da FC anglo-saxónica. Isto já para não falar da conhecida fobia ao Poupas da Rua Sésamo que Barreiros nunca se cansa de humilhar, degradar
e matar com o “máximo de prejuízo” para usar uma expressão muito sua.
Temos neste conto uma Lisboa degradada, à beira do colapso civil, em que os bairros são autênticas zonas de guerra
e à qual chega um embaixador cultural dos Croap’tic coadjuvado pelo seu ajudante lemuriano que mediante uma ligação neuronal serve de intérprete
e mãos do embaixador. Envolvido numa verdadeira teia de burocracia, mal-entendidos, taxistas desonestos
e greves selvagens o embaixador vê-se sorvido numa espiral fatal que traz à memória os melhores contos de R. A. Lafferty ou Howard Waldrop.
Infelizmente os dois contos anteriores representam o zénite da colectânea
e a partir daqui será (quase) sempre a descer até ao abissal conto de Manuel João Vieira que a encerra.
(continua)