Joel sentia-se a flutuar dentro de si próprio. A dor no braço desaparecera. O coração batia-lhe nos ouvidos, nas narinas, no mais fundo do estômago. O seu corpo era um peso que caía, afastando-se de um centro de luz líquida e pensamentos confusos que parecia querer voar para longe de si. A minha alma - a palavra veio-lhe à mente no meio de um turbilhão de ideias mal-definidas e os lábios entreabriram-se-lhe, como se preparasse para a dizer.
Lera alguns textos sobre as crenças religiosas dos antigos habitantes da Terra em que o termo alma era usado repetidamente. Sempre achara tudo aquilo um disparate, mas a sensação que se lhe espalhava pela pele, fluindo de dentro para fora, fazendo-o sentir-se leve, leve, leve… Estava a morrer. Teve a consciência clara disso. E descobriu que não se importava.
Fechou os olhos e deixou-se ir. O coração continuava a latejar-lhe nas têmporas e nas palmas da mão, mas cada vez mais suavemente. Uma grande luz acendeu-se à sua frente. Sorriu.
Leelo sentia-se tonta. O oxigénio do fato que Joel vestira devia estar a acabar. Respirou profundamente várias vezes, tentando mantê-lo vivo. Só mais um pouco, pelo menos até estar em posição de fazer alguma coisa.
A náusea invadia-a como uma onda de orlas geladas. A mão que a segurava ao poste de segurança do porão de carga começou a deslizar.
De repente, sentiu-se invadida por uma lufada de ar fresco, como se tivessem acabado de forçar uma golfada de oxigénio para dentro dos seus pulmões. A mão firmou-se no varão. Acontecera alguma coisa.
A luz envolvera-o e puxara-o para si, fazendo-o cair na escuridão. Sentira movimento à sua volta. São tubarões, pensou, andam tubarões à minha volta. Começou a rir, a rir, a rir, sem conseguir parar, mas não lhe saía som nenhum da garganta.
O fato despareceu. Foram os tubarões, os tubarões estão a comer-me o fato.
O ar invadiu-o. Inspirou gulosamente, forçando os pulmões quase imóveis a funcionarem, deliciando-se com os ruídos sibilantes que lhe saíam da boca e do nariz.
Uma nova luz acendeu-se sobre ele. Uma voz algures à sua esquerda disse:
– Está vivo.